“Catracalize” este ser, pois, impregna e se
desenvolve, talvez, tornando-se mais frio e mais tolerante. Afinal, ‘não sou digno
de que entreis em minha morada, mas dizei-me uma palavra e serei salvo’.
Por que se
desesperar diante de algo tão sereno, calmo e tranquilo? Por que se revoltar
quando tudo parecia ameno e tão simples? Suave... Sua saudação possui um efeito
que é, ao mesmo tempo, emocionante, pleno de maravilhas, ainda que,
frequentemente apavorante.
O doce
encanto do conforto que, outrora, se limitava ao brinde da jovialidade, já há
muito adquiriu sentimentos mais amistosos. Nenhum pensamento é imune a sua
comunicação, e basta expressá-lo num falso lugar e num falso acordo para minar
a verdade.
A cada
momento, nossos pensamentos, medos, fantasias, esperanças, raivas e atrações,
estão todos surgindo e desaparecendo. Identificamo-nos, automaticamente, com
esses estados, sejam eles passageiros ou, compulsivamente recorrentes, sem
pensar o que pensamos. Quando o silêncio nos ensina o quão transitórios e,
portanto pouco confiáveis, na verdade, são esses estados, confrontamo-nos com o
terrível questionamento de quem somos nós. Pecar pelo silêncio, quando se
deveria protestar, transforma homens em covardes.
No
silêncio precisamos lutar com a terrível possibilidade de nossa própria
irrealidade. Na verdade, há algo que esperneia e se move, silenciosamente: os gritos da minha alma. Não sou eu, não é minha natureza...
De cada
ida ao cinema volto, em plena consciência, mais estúpido e depravado. A própria
sociabilidade é participação na injustiça, dando a impressão fácil e coesa a um
mundo frio e de aparências em que se pode dialogar, e a palavra solta, cortês,
contribui para perpetuar o silêncio.
Para o intelectual,
a solidão inviolável é uma, senão a única, forma em que ainda se pode verificar
a solidariedade. Como em qualquer um, há em mim várias camadas de mortos não
sei até que profundidade. Às vezes, convoco-os, outras são eles, com a voz tão
sumida que mal as distingo, que desatam a falar. Toda a participação, toda a humanidade do
trato e da partilha são simples máscara da tácita aceitação do inumano.
Mover-se silenciosamente
não só possibilita a dominar meus movimentos, como também melhora, dependendo
do ponto de vista, muito sua habilidade de observar, ou criticar, o mundo, a
sua volta, da mesma maneira que consigo ouvir quando não estou falando. A
discussão em minha mente começa a enfraquecer, permitindo que a concentração e
o foco venham à tona. Há que tornar-se consoante com o sofrimento dos homens: o
mais pequeno passo para o seu contentamento é ainda um passo para o
endurecimento do sofrimento.
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