quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A injustiça, num lugar qualquer, é uma ameaça à justiça em todo o lugar




A famosa premissa da isonomia ou princípio da igualdade, defendida e requerida pela Constituição, de que “todos são iguais perante a lei”, independentemente da riqueza ou dos prestígios conseguidos ou herdados por alguém ou grupo social determinado, era uma utopia, pois, as efetivas desigualdades, de várias categorias, existentes e eventualmente estabelecidas por lei, entre os vários seres humanos e no seu convívio, desafiam a inteligência dos juristas a determinar os conceitos de "iguais" e "iguais perante a lei". 


Cabe aqui, ainda, a lembrança de que o significado válido dos princípios é variável no tempo e espaço, histórica e culturalmente. E como bem ensina David Schnaid, o hermeneuta deverá interpretar a norma, ou seja, primeiro, ele deverá penetrar no íntimo da norma visando a sua exata compreensão, para dela, extrair todas suas virtualidades e depois revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta. A interpretação da norma nos adverte de que "deve ser o Direito interpretado inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreve inconveniências, vá a ter conclusões inconsistentes ou impossíveis". 


No Direito, tal princípio assumiria um caráter de dupla aplicação, qual seja: uma teórica, com a finalidade de repulsar privilégios injustificados; e outra prática, ajudando na diminuição dos efeitos decorrentes das desigualdades evidenciadas diante do caso concreto. Assim, tal princípio constitucional se constitui na ponte entre o Direito e a realidade que lhe é subjacente. 


A instauração da igualdade material é um princípio programático, contido em nosso Direito Constitucional, o qual se manifesta através de numerosas normas constitucionais positivas, que em princípio, são dotadas de todas as suas características formais. 


Observa-se que a Constituição Federal vigente, em vários enunciados, preconiza o nivelamento das desigualdades materiais, entretanto, a observação das desigualdades socioeconômicas, no mundo fático, nos mostram que o princípio constitucional e as normas, que procuram diminuir as desigualdades materiais, são impunemente desrespeitadas. Portanto, os preceitos que visam estabelecer a igualdade material, primam pela inefetividade ou ineficácia; e como exemplo, podemos citar as leis que, nos últimos anos, têm estipulado os salários mínimos, que desrespeitam o preceituado no art. 7º, IV da CF/88. 


De acordo com o professor Ingo Wolfgang Sarlet, o princípio da igualdade "encontra-se diretamente ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toda e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material". 


A conceituação de tal princípio tem conteúdo historicamente variável. A doutrina tradicional, sintetizando, preconizou que o conteúdo de tal preceito seria o de dar tratamento diverso para pessoas desiguais; entretanto, não precisou ou esclareceu em que circunstâncias e em que medida seria constitucionalmente admissível que a lei desigualasse. Para o ilustre autor espanhol Fernando Rey Martinez, "a ideia de igualdade serve para determinar, razoavelmente e não arbitrariamente, que grau de desigualdade jurídica de trato entre dois ou mais sujeitos é tolerável. A igualdade é um critério que mede o grau de desigualdade juridicamente admissível". 


Acredita-se que a doutrina tradicional tem um posicionamento que é praticamente igual a máxima de Aristóteles, para o qual o princípio da igualdade consistiria em "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam". 


Essa posição certamente deveria de ter como princípio norteador da sua hermenêutica a instauração de uma igualdade material, pois, caso contrário, não teria conteúdo sustentável. 


Vale, aqui, trazer a colação a frase de João Mangabeira, segundo o qual "a igualdade perante a lei não basta para resolver as contradições criadas pela produção capitalista. O essencial é igual oportunidade para a consecução dos objetivos da pessoa humana. E para igual oportunidade é preciso igual condição. Igual oportunidade e igual condição entre homens desiguais pela capacidade pessoal de ação e direção. Porque a igualdade social não importa nem pressupõe um nivelamento entre homens naturalmente desiguais. O que Lea estabelece é a supressão das desigualdades artificiais criadas pelos privilégios da riqueza, numa sociedade em que o trabalho é social, e consequentemente social a produção, mas o lucro é individual e pertence exclusivamente a alguns". 


Então, uma forma correta de se aplicar a igualdade seria tomar por ponto de partida a desigualdade. Depois, diante da desigualdade, entre os destinatários da norma, impor-se-ia promover uma certa igualização. 


O ilustre Kelsen já lecionava de que "a igualdade dos indivíduos sujeitos a ordem pública, garantida pela Constituição, não significa que aqueles devem ser tratados por forma igual nas normas legisladas com fundamento na Constituição, especialmente nas leis. Não pode ser uma tal igualdade aquela que se tem em vista, pois seria absurdo impor os mesmos deveres e conferir os mesmos direitos a todos os indivíduos sem fazer quaisquer distinções, por exemplo, entre crianças e adultos, sãos de espírito e doentes mentais, homens e mulheres". 


Contudo, Kelsen não deixou explicitado a possibilidade de que o princípio da igualdade se aplicasse essencialmente no momento da elaboração da lei, apresentando-se como algo lógico e coerente. Entretanto, a sua colocação nospermite ver que é absurdo supor que seja inconstitucionalmente vedado a lei discriminar. Pois, "as leis nada mais fazem senão discriminar". E, como o próprio monumento da Justiça nos mostra: a comodidade é como a cegueira e anemia do sucesso, nos impedem de visualizar o futuro e nos retira a força de prosperar. 


Fonte: Revista jurídica, Marcelo da Silva.

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